segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A concepção holística e a psicoterapia

            A concepção holística do homem é aquela que concebe o ser humano como resultante da integração da mente e do corpo. Esses, que usualmente chamamos e tratamos separadamente, formam, na verdade, uma unidade inseparável. A partir dessa visão, emoções e sentimentos positivos e negativos e tudo mais que vivenciamos na mente ficariam necessariamente registrados no corpo, podendo alterá-lo bioquímica e fisicamente. Assim, o nosso cérebro pode ser formatado fisiologicamente, tanto pela alegria quanto pelos traumas, o que irá afetar, por sua vez, o processamento mental, ou seja, a forma do seu funcionamento. Desse modo, em um ciclo vicioso, a mente e o corpo se afetam mutuamente. Inclusive, é fácil perceber a influência das emoções no corpo físico no cotidiano. Quando ficamos irritados, tensos, assustados ou com medo, é comum percebermos, em seguida, alguns sintomas físicos, como diarréia, dores musculares, cansaço, fraqueza ou dor de cabeça.
            Desde muito tempo, estudiosos vêm apontando que a estrutura emocional das pessoas depende fortemente de como foram as relações na primeira infância com os pais, familiares e todas as pessoas de forma significativa. A partir disso, pode-se concluir que o sofrimento emocional e corporal pode estar relacionado com a falta de relações humanas de boa qualidade afetiva que colaborem com o fortalecimento da personalidade sadia. Se ao longo da vida, por qualquer motivo, a pessoa teve predominantemente relações humanas difíceis e pouco fortalecedoras e sentimentos negativos, como raiva, tristeza e medo, isso poderá se acumular e, possivelmente, o corpo irá desenvolver doenças resultantes do enfraquecimento holístico. Esses sentimentos negativos, quando não são expressos, muitas vezes em função de normas sociais, e não são tratados apropriadamente, são represados e a energia retida pode se transformar em qualquer forma de sofrimento emocional e/ou corporal.
            Qualquer tipo de sofrimento emocional pode se manifestar de forma física no corpo da pessoa. Por exemplo, o indivíduo que retém e omite tristezas poderá acumular esses sentimentos em alguma forma de energia negativa e seu corpo poderá ser afetado, uma vez que mente e corpo formam uma unidade inseparável. O corpo, no seu formato bioquímico, poderá ser alterado ou moldado por sentimentos negativos e consequentemente portas para doenças corporais poderão se abrir, incluindo as psiquiátricas, como a depressão. A observação clínica costuma indicar que pessoas deprimidas, geralmente, têm um quadro de emoções e sentimentos acumulados, guardados e não trabalhados ou tratados e que, muitas vezes, elas também sofrem cronicamente de uma variada gama de doenças que nem sempre são diagnosticadas de forma clara.
            A boa notícia é que um processo reverso ao do adoecimento e, portanto, de recuperação ou até de cura emocional e física no corpo, também é possível. Assim, uma pessoa com depressão e doenças físicas relacionadas, por exemplo, que, através da psicoterapia, trata sua mente, trabalhando as emoções e sentimentos para dar-lhes vazão e significados e ainda buscando sentido para a vida, poderá recuperar a saúde como um todo, pois, conforme a concepção holística, mente e corpo se integram e se acompanham também no caminhar para um quadro mais saudável de vida. Dessa forma, a psicoterapia pode ajudar em muito as pessoas com doenças corporais, pois, na medida em que também tratam a mente e, consequentemente, as emoções, os sentimentos e os comportamentos, estarão tratando a sua pessoa como um todo e aumentando as possibilidades de saúde e felicidade.

A prevenção da depressão pela psicoterapia

Como postulam muitos autores e profissionais, a prevenção é sempre a melhor forma de tratamento para qualquer distúrbio ou doença, sempre que possível. A prevenção é, na verdade, um tipo de tratamento feito antes que o distúrbio ou doença ocorra. Ela deve ser feita toda vez que houver indícios claros de que um distúrbio ou doença poderá se desenvolver no futuro.         
No caso da depressão, a prevenção psicoterápica é aquilo que pode ser feito para o fortalecimento emocional e o alcance de condições saudáveis, de modo a diminuir e, se possível, evitar as possibilidades da depressão se estabelecer. Estudiosos aconselham atitudes e regras simples para a prevenção como: permitir-se fazer coisas para sentir-se bem, manter a auto-estima elevada, colocar limites em todos os aspectos, estimular as qualidades e os pontos fortes individuais, procurar hábitos de vida mais saudáveis e manter boas inter-relações pessoais. O psicólogo José Augusto de Mendonça, em uma palestra em Belo Horizonte no ano de 2006, demonstrou uma escala de prioridades para a prevenção em formato de escada, conforme mostrado abaixo. Quanto mais alto for o degrau alcançado, mais itens de prevenção serão cumpridos e mais protegida estará a pessoa.
Em contrapartida, estudos indicam que sintomas de ansiedade generalizada podem anteceder a depressão até em 10 anos. Inclusive, pode-se considerar que crianças com sintomas de ansiedade poderão se transformar em adultos potencialmente depressivos. Assim, a prevenção da depressão já pode ser feita por meio de psicoterapia assim que sintomas de ansiedade forem identificados.
A psicoterapia é o tratamento mais indicando, porque a ansiedade em estágio inicial é muito mais uma consequência do aprendizado proveniente das interações familiares e sociais do que uma consequência de alterações orgânicas e bioquímicas, que futuramente até poderão surgir como resultantes.  Dessa forma, a prevenção da depressão pode ser feita efetivamente ajudando ansiosos a apreender formas mais saudáveis de se relacionar consigo mesmo e com os outros.

A psicologia e a alimentação

A psicologia é a ciência que tem entre seus objetivos estudar e compreender a formação e o desenvolvimento emocional e comportamental do ser humano. A partir do nascimento ou até mesmo antes, o ser humano começa a desenvolver uma estrutura emocional e comportamental que podemos chamar de personalidade. Essa estrutura desenvolve-se a partir da interação da mente humana com o próprio corpo e com o ambiente. A mente funciona de forma dinâmica, em sincronia com todos os estímulos internos e externos, elaborando a cada momento um estado avaliativo situacional e, consequentemente, emoções, sentimentos e comportamentos são engendrados.
Obviamente, os fenômenos da alimentação estão entre os primeiros e mais significativos estímulos que o ser humano experimenta, tanto internamente quanto externamente. Assim, a alimentação se relaciona fortemente com emoções, sentimentos, comportamentos e, inevitavelmente, com a personalidade que começa ser moldada. Além disso, a alimentação do recém-nascido está sempre relacionada ao contato com outro ser humano. Dessa forma, no contato conjunto com a alimentação e com outro ser humano, o recém-nascido experimenta uma vasta gama de sensações e emoções positivas, como prazer degustativo, carinho, conforto, proteção, amor, ou sensações negativas, como fome não saciada, irritação, insegurança, descontrole, medo, insuficiência. Os fenômenos da alimentação participam, assim, da estruturação da personalidade que se forma desde a mais tenra idade. Podemos ainda dizer que o atrelamento da alimentação com a personalidade continua por toda a vida. As famílias têm formas variadas de conjugar a alimentação com diversas situações, como comemorações, reuniões, premiações, obrigações, punições, compensações, etc. Fica evidente, então, que a alimentação está intimamente ligada à formação e manutenção da personalidade.
Cada vez mais, indivíduos e governantes se preocupam com o controle de peso como fator preponderante na saúde e, além disso, existe uma forte cobrança social pela magreza como padrão de beleza. Muitas providências são tomadas, tanto pelos governantes quanto pelos os indivíduos, nesse sentido. No entanto, tipicamente, essas providências concentram esforços nos aspectos médicos e farmacológicos, nas dietas alimentares e nas atividades de exercícios físicos. Parece que a personalidade do individuo não é muito considerada no esforço do controle de peso e, sendo ela o modelo base de comportamento humano, fica faltado considerar parte essencial do problema de controle de peso. Assim sendo, entendo que, juntamente com profissionais médicos, nutricionistas e da educação física, os psicólogos têm muito a contribuir trabalhando a personalidade dos indivíduos no sentido de moldar novos comportamentos que favoreçam o controle de peso.
A alimentação para o ser humano é muito mais que um processo natural de nutrição fisiológica. Ela está na base da estrutura da personalidade fundida com emoções e sentimentos positivos e negativos de amplo espectro. Assim, a problemática do controle de peso em crianças, adolescentes e adultos precisa considerar aspectos que vão além dos nutricionais, pois o que está em questão é também o ser humano na sua totalidade, incluindo suas emoções, sentimentos, comportamentos e, portanto, sua personalidade. Deste modo, a psicologia, através da psicoterapia, deve ter um papel importante nos trabalhos profissionais para o controle de peso, tanto por razões de saúde quanto por motivos estéticos.

O amigo e o psicoterapeuta

É muito comum confundirmos a idéia do amigo com a do psicoterapeuta. Geralmente, consideramos como amigos verdadeiros aquelas poucas pessoas com quem podemos compartilhar as alegrias, mas também os problemas, as dúvidas e as dificuldades. Além disso, o que difere os amigos de simples colegas e conhecidos é que com estes últimos não nos sentimos seguros para compartilhar questões mais difíceis e delicadas. Em contrapartida, esperamos que os amigos sejam solidários conosco, nos apoiado em nossas fraquezas e medos. Esperamos também que ao expormos nossos pontos fracos ou erros, eles não fiquem contra nós, falem mal, debochem ou se aproveitem da situação para tirar vantagens sobre nós. Por outro lado, não é difícil constatar que muitas pessoas têm uma perspectiva semelhante a essa idéia mencionada do amigo ao se tratar da figura do psicoterapeuta. Muitos entendem que o psicoterapeuta é basicamente aquela pessoa com quem podemos falar sobre tudo sem medo ou vergonha, ou seja, como com um amigo, e é sobre essa comparação que discutirei.
         É bem verdade que entre a figura do amigo e do psicoterapeuta há semelhanças, mas também há diferenças. Em primeiro lugar, com o amigo podemos falar tudo, menos aquilo que pode abalar a nossa relação de amizade. A amizade em si não deixa de ser também uma relação de trocas, onde se compartilham mutuamente solidariedade, apoio, respeito e carinho. Então, se eventualmente um dos amigos não corresponde conforme esperado, a amizade pode ser rompida. Assim, há limitações nessa relação e o apoio dos amigos não é incondicional. Outra característica relevante é que o amigo tende a responder às nossas questões, mesmo no melhor das intenções, com conselhos, conforme sua experiência de vida e suas convicções. Já na relação com o psicoterapeuta, o cliente também pode falar de tudo, mas pode incluir aspectos que dificultam a relação com qualquer pessoa, incluindo desafetos com o próprio psicoterapeuta. Nesse caso, a base da relação é profissional e trocas afetivas podem ser aceitas, mas não são necessárias para a manutenção da relação psicoterápica. Outro aspecto que também é diferente é que as respostas do psicoterapeuta às questões do cliente não são ou não devem ser baseadas na experiência pessoal ou em convicções particulares do profissional. De acordo com a abordagem em que fundamento meu trabalho, a Psicoterapia Centrada na Pessoa, uma das modalidades das teorias humanistas, todas as respostas se encontram no próprio cliente e o trabalho do psicoterapeuta é ajudá-lo a encontrar nele mesmo todas essas respostas. Conforme nossa teoria, no decorrer da vida, as pessoas acabam perdendo contato com sua experiência e com seus sentimentos, abrindo mão destes para serem aceitas na convivência social e, assim, acabam ficando desorientadas e neuróticas. Assim sendo, o papel do psicoterapeuta é ajudá-las a entrar em contato com experiências e sentimentos autênticos e, a partir daí, auxiliar na aceitação e compreensão destes de forma a descobrir maneiras de utilizá-los como recursos para produzir melhores respostas e dar soluções.
         Concluo, então, que apesar do amigo poder ajudar muito pela companhia e solidariedade, não faz o papel e a função de um psicoterapeuta e que o psicoterapeuta pode ser amigo, mas não ocupa o lugar do relacionamento mutuamente compartilhado do amigo. Devemos esperar amizade verdadeira do amigo, enquanto que do psicoterapeuta devemos esperar um relacionamento que proporcione as melhores condições para explorar e compreender nosso ser de modo a melhorar nossa vida, ou seja, devemos esperar uma relação condizente com a psicoterapia profissional.

O homem, o sofrimento e a psicoterapia

A relação do homem com o sofrimento ou com a possibilidade de sofrer é uma constante tão significativa que começa mesmo antes do seu nascimento e o acompanha como um companheiro fiel até o suspiro final, se não for além. As filosofias são conjuntos de idéias que procuram entender e explicar a realidade e, dentre elas, algumas filosofias se preocupam mais com a importância do sofrimento humano. A filosofia Humanista-Existencial tem a concepção de que o homem está destinado a sofrer a partir da sua condição frágil e mortal. Essa filosofia entende que o homem é essencialmente livre e responsável pelas suas escolhas, então, a consciência de sua finitude e da responsabilidade por sua formação gera angústia no homem. Dessa forma, a angústia está na base estrutural de nossos sentimentos e não há como eliminá-la de nossas vidas.
Cada homem, a sua própria maneira, e a humanidade como um todo desenvolve formas de conceber a si próprio, os outros, a vida e a realidade. Para enfrentar o sofrimento, essa companhia ou perseguição constante mais que desagradável, concepções são formuladas. O homem desenvolve a fé e fórmulas diversas para suportar o sofrimento como crenças no sobrenatural, práticas espirituais e religiões. Além disso, entre outras fórmulas, incluí-se a de ganhar poder e dominação sobre os outros homens, acumular riquezas e esquecer ou aliviar o sofrimento ocupando-se de todo tipo de atividade que gere alienação e anestesia mental. Inclusive, as drogas lícitas e ilícitas e o fanatismo por qualquer coisa têm também essa função. Ainda, entre as fórmulas para aceitar e adaptar melhor a uma dada realidade estão as tentativas de recondicionar a mente humana através de treinamentos, incluindo os terapêuticos, e as drogas medicamentosas. Contudo, parece que essas fórmulas acabam não funcionando bem ou não eliminando o sofrimento por completo.
 Por outro lado, a citada filosofia Humanista-Existencial entende que cada homem só realmente supera o sofrimento que lhe é inerente quando assume a responsabilidade de fazer escolhas condizentes com a intimidade de seu ser. Para tanto, naturalmente, ele precisa antes de tudo conhecer a própria intimidade. Todo homem só pode encontrar sentido na vida para si mesmo quando busca e desenvolve critérios e valores próprios em máxima liberdade. Esses critérios e valores, então, só têm força para fazer frente aos sofrimentos que a vida trás quando são desenvolvidos no íntimo individual de cada ser humano.
A Abordagem Centrada na Pessoa, que é uma corrente de pensamento psicológico desenvolvida a partir dos trabalhos do psicólogo americano Carl R. Rogers, comunga muitos preceitos com filosofia Humanista-Existencial. Essa abordagem abriga um modo de psicoterapia em que o papel do psicoterapeuta é ajudar seu cliente a desenvolver por si e para si mesmo critérios e valores. Dessa forma, ele poderá desenvolver significados e sentido para a vida e, consequentemente, alívio para o sofrimento. Sendo assim, o papel do psicoterapeuta não poderia ser o de aconselhar, indicando as razões ou meios de resolver problemas. Seu papel deve ser, então, o de ajudar o cliente a entrar em contato consigo mesmo, com a sua intimidade. Isso é feito na medida em que o psicoterapeuta oferece um clima de aceitação e compreensão com o mínimo de influência externa ao cliente, que é favorecido para desenvolver critérios e valores próprios para se responsabilizar por si e, consequentemente, encontrar sentido e suporte frente ao sofrimento.
A Psicoterapia Centrada na Pessoa indica que a qualidade da relação entre psicoterapeuta e cliente é fundamental para a criação de um ambiente favorável e confiável que permita que o cliente se revele e se descubra. A percepção do cliente da capacidade e qualidade da aceitação e compreensão do psicoterapeuta em relação ao que ele revela indica até que grau de profundidade ele pode se revelar. Quanto mais profundas forem as revelações do cliente ao psicoterapeuta, mais ele descobrirá sobre si mesmo. As descobertas através dessas revelações formam uma nova autoavaliação no cliente, uma nova base de partida para conceber a si próprio no mundo com os outros. Então, a partir dessa nova base, mudanças emocionais e comportamentais são consequências naturais. Por fim, o cliente poderá construir uma resistência ou resiliência para enfrentar os sofrimentos inerentes à vida.