É
comum relatos de populares como: algumas pessoas, apesar de passarem por
infâncias sofridas com abusos e injustiças ou traumas, têm muito amor para dar
e conseguem ser felizes com os progressos que conquistam, enquanto, opostamente,
outras que foram favorecidas e muito protegidas, por serem provenientes de
famílias estruturadas e abastadas, e não passaram por tragédias acabam como
infelizes coitados. Algumas vezes, nesses relatos, há a indicação quanto às
diferenças da natureza dessas pessoas como: as primeiras eram mais humildes,
amorosas, fraternas, agradecidas e perdoavam facilmente, enquanto as do segundo
grupo eram mais orgulhosas, esnobes, rancorosas, materialistas e rígidas em
princípios e valores. Então, geralmente, os relatos concluem que é possível
superar todo tipo de adversidade e construir uma felicidade verdadeira e que nascer
em família estruturada e abastada não garante um futuro feliz, pois a natureza
das pessoas é o principal fator.
Outra
discussão sobre a natureza das pessoas é atribuída às diferenças teóricas entre
os famosos: o psicanalista austríaco Sigismund Schlomo Freud e o psicólogo
americano Carl Ranson Rogers. Conforme sintetiza brilhantemente Gusmão*, a teoria
de Freud atribuiria ao homem um conflito permanente entre forças antagônicas
oriundas de impulsos naturais e principais de sexualidade e agressão que se
formulam nas pulsões de vida e de morte. Assim, o homem por sua natureza,
precisaria ser contido por forças internas e externas para não destruir a si
mesmo e aos outros e viver em bases civilizadas. Dessa forma, podemos entender
que Freud tinha uma perspectiva mais negativa do homem por sua natureza egoísta
e violenta. Já a teoria de Rogers atribuiria ao homem uma capacidade latente
natural de superação do mal e alcance do bem-estar individual e coletivo. Assim,
o homem não teria estruturalmente uma natureza conflituosa e seria inclusive
capaz de superar hostilidades externas do ambiente e se curar dos efeitos
causados. Sendo assim, o homem seria naturalmente possuidor da Tendência
Atualizante. Essa tendência é uma força natural generalizada no universo que se
manifesta de diversas formas no sentido da organização, evolução e progresso do
próprio universo. No caso dos seres humanos, essa tendência se manifestaria,
também, pela inteligência criadora e pela capacidade de superar adversidades na
busca do desenvolvendo de ambientes sociais de fraternidade e felicidade.
Entretanto, essa tendência se manifesta por potencialidade e não por uma força
absoluta. Para que essa tendência se manifeste de forma progressista nas
transformações e na construção humana, são necessárias certas condições: os
humanos necessitam ser compreendidos nas suas particularidades de forma
profunda e plena (empatia), necessitam ser aceitos, respeitados e bem
considerados e valorizados independentemente de condições como pré-requisitos
(aceitação incondicional), necessitam que outros seres humanos se apresentem
honestamente e em profundidade como eles são realmente em termos pessoais
(congruência). Assim, mediante essas condições, naturalmente, haveria sempre
progresso no ser humano e nesse sentido teríamos na teoria de Rogers uma perspectiva
mais positiva do homem.
Voltando aos relatos populares conforme
o citado acima, entendo que os mesmos não são bem explicados pela teoria de Freud,
pois, por sua teoria, a tendência seria de agravamento do sofrimento
posteriormente aos traumas infantis e uma infância poupada de sofrimentos
favoreceria posteriormente. Por outro lado, a teoria de Rogers explicaria
melhor esses relatos da seguinte forma: aqueles que começam a vida em condições
mais difíceis ou que por eventualidades diversas passam por grandes
sofrimentos, mas de alguma forma receberam ou captaram de outros serem humanos
aquelas condições necessárias, progridem para a felicidade. Em contrapartida,
aqueles que tiveram condições iniciais mais favoráveis e foram protegidos de
muitos sofrimentos e não receberam ou não souberam obter aquelas condições
necessárias, acabam tendo a tendência atualizante distorcida e sucumbindo na
doença e na infelicidade.
*
Gusmão, Sonia M. L. – A Natureza Humana
Segundo Freud e Rogers, Trabalho apresentado ao Forum Brasileiro da
Abordagem Centrada na Pessoa, Rio de Janeiro, 1996